Pesquisa personalizada

Entrevista de Daniel Filho: "Nenhum programa na televisão me atrai. Nem o "Jornal Nacional" eu preciso ver mais"


O ex-guru da Rede Globo, concede entrevista a Mônica Bergamo da Folha Ilustrada.

As próximas semanas prometem boas notícias para Daniel Filho, diretor artístico da Globo Filmes, braço cinematográfico das Organizações Globo. Com quase 5 milhões de espectadores, "Se Eu Fosse Você 2", dirigido por ele, já é a maior arrecadação da retomada do cinema nacional e caminha para bater o recorde de público de "2 Filhos de Francisco". Feliz da vida, o cineasta, que foi diretor da TV Globo por mais de 30 anos, conversou com a coluna:


FOLHA - Seu filme está batendo os recordes do cinema nacional.
DANIEL FILHO
- "Se Eu Fosse Você 2" é um cinema de entretenimento, algo que eu sempre defendi e defendo. As grandes bilheterias do mundo são ocupadas por entretenimento popular. Até "2 Filhos de Francisco", um melodrama, não deixa de ser apoiado em dois astros sertanejos que falam da vida deles e cantam suas músicas de sucesso. Então fica a indagação para nós, que fazemos cinema: o que o público quer ver? Como a gente faz para tirar alguém de casa para ver filme nacional?


FOLHA - Os cineastas brasileiros não estão conseguindo fazer filme para os brasileiros?
DANIEL
- Ultimamente a gente tem visto que não muito, né?


FOLHA - Falta competência?
DANIEL
- Você não vai querer que eu diga isso, né? Eu mesmo, daqui a pouco, posso quebrar a cara. Mas, se você vê a minha filmografia, percebe que estou sempre buscando histórias que se comuniquem com o público. Sou até acusado por isso.


FOLHA - Falta compromisso? Porque os produtores de cinema captam dinheiro incentivado e tiram daí a própria remuneração. E não precisam fazer um filme de sucesso porque, afinal, já garantiram seus ganhos. Isso afeta?
DANIEL
- Eu acho que sim. Eu vejo muitos diretores fazendo filmes e correndo para ver se pegam o festival de Cannes, o de Berlim. "Ah, eu vou pro [festival de] Sundance, eu vou pra não sei o quê". É uma preocupação muito grande com o exterior. E eu sou o camarada que acredita no ditado: agrade a sua vila que você vai agradar ao mundo. Você tem que agradar aqui, no Brasil. O público quer ver esse filme? Ou é você que quer fazer esse filme? Queremos ser todos Godard e Glauber Rocha? A crítica aplaude esses filmes meio malditos, que têm pouco público. É uma dicotomia entre o que a crítica pensa e o que o público quer ver.


FOLHA - E o que o público quer ver?
DANIEL
- Filme bem realizado, que diverte, que te completa. E não é só comédia. Se olharmos as dez maiores bilheterias do cinema nacional em dez anos, vamos ver que existe uma variedade de assuntos. Tem duas biografias, "2 Filhos de Francisco" e "Cazuza"; temos "Cidade de Deus" e "Carandiru".


FOLHA - O que acha dos filmes nacionais recentes? "Última Parada - 174", de Bruno Barreto?
DANIEL
- Eu sou produtor associado do filme. Agora que já foi, posso dizer: é um longa bem realizado, mas não consegue atingir emocionalmente o público. O rapaz que faz aquele coitado, aquele maluco que ficou preso no ônibus, é excelente; mas não gosto da direção das atrizes que fazem a mãe, ele [Bruno] não conseguiu atingir a parte emocional daquela mãe que perdeu o filho. E o público não comprou a história dessa pessoa [Sandro, morto pela polícia ao assaltar o ônibus] que, para nós, é vista como um furioso assassino, mesmo que tenha havido erro da polícia.


FOLHA - E "Linha de Passe", do Walter Salles?
DANIEL
- Eu não gosto. É um filme gelado. Gelado. Falta afeto. Não é um bom filme do Walter, não. Ele não me leva a nenhuma emoção a não ser a de assistir e dizer: eu não me emocionei. Creio que o público achou a mesma coisa. É uma proposta intelectualizada do Waltinho para um assunto esgotado.


FOLHA - Qual assunto?
DANIEL
- A vida vem em ondas como o mar, já dizia Vinicius de Moraes. Às vezes vem a onda do filme de terror. Agora veio a onda da favela. Com o sucesso de "Cidade de Deus", todos os diretores brasileiros quiseram mostrar a preocupação social com a favela, com os desvalidos, com a ascensão do Lula, com "óóó", com... Então haja favela! Haja favela! Haja favela! E chega um determinado momento em que o povo diz: "Ah, meu Deus, eu não quero mais ver filme de favela, não. Não quero mais ver filme de traficante que mata traficante". Você não quer ver esse filme que não te conduz a nada.


FOLHA - E "Tropa de Elite", do diretor José Padilha?
DANIEL
- Não chega aos pééés de "Cidade de Deus". É um grande thriller, um filme de exército feroz bem realizado. Podia ser também um filme de exército americano invadindo o Iraque e tomando tiro dos iraquianos. Mas, se eu tiver distanciamento, eu percebo que já vi esse filme outras vezes.


FOLHA - "Tropa", que foi pirateado, teve menos espectadores que "Se Eu Fosse Você". Vocês não foram pirateados?
DANIEL
- [Rindo] Fomos. Mas nós não quisemos fazer esse tipo de publicidade. Eles [os produtores de "Tropa"] usaram isso um pouco demais, né? Um filme que venda 3 milhões de DVDs, piratas ou não, é um campeão absurdo. E eu não conheço nenhum DVD no Brasil que tenha vendido isso tudo. O pessoal exagerou. Aproveitou o embalo e partiu para a publicidade em cima.


FOLHA - E "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles?
DANIEL
- Eu gosto do filme. Apesar de o Fernando ter me dito que ele achou que o filme ficou frio, eu considero...


FOLHA - Ele te falou isso?
DANIEL
- Falou, falou: "Eu acho que errei a mão, Daniel. O filme não saiu o que eu queria". Mas Fernando é hoje o melhor diretor de cinema do Brasil.


FOLHA - Você já disse que a Globo tinha que mexer na programação e afirmou que não vê mais TV.
DANIEL
- Nenhum programa na televisão me atrai, nenhum. Eu não ligo a televisão. É um cansaço meu, sei lá. Nem o "Jornal Nacional" eu preciso ver mais. Eu leio jornal, a internet te bota no dia- a-dia do que está acontecendo. Não sei o que você acha. Mas eu acredito que, pela audiência que a TV tem tido, essa sensação deve ser geral. Eu vejo a audiência dos programas caindo. A TV já foi um "must" nosso e hoje não é mais. Ficou meio morninha. Não mexe mais com as pessoas, não vejo mais dizerem: "Eu preciso ver isso". Não vejo ninguém discutindo o capítulo ou o programa exibido no dia anterior. Eu vejo isso com seriados americanos.


FOLHA - A TV ficou velha?
DANIEL
- Sem dúvida nenhuma. Eu não diria velha... Eu ainda estava na televisão em 1990, por aí, e já percebia que, com os canais fechados, a TV aberta iria virar o AM e a TV fechada seria o FM. Ou seja, a televisão tendia a se popularizar mais. E houve isso. Praticamente todas as famílias brasileiras têm hoje um aparelho de televisão. Então, mudou o tipo de público. Agora, é importante registrar: eu estou afastado [da TV]. Portanto, eu não sei com que público eles estão trabalhando, para quem estão falando nem para quem desejam falar.


FOLHA - Nem o "Fantástico", que ajudou a criar, você vê?
DANIEL
- O "Fantástico" perdeu a dimensão há muitos anos. Perdeu. Era um programa que pertencia ao meu domingo e que foi, pelas suas matérias, pela sua estrutura, me tirando dele. Agora, eu só vou em baile em que eu queira entrar. A TV tem esse problema: você pode desligar. Então eu não quero dar a minha opinião porque eu não sei com quem eles estão falando. Eu sei que comigo eles não estão falando. Tudo o que está sendo apresentado ali não me interessa.

"["Linha de Passe"] É um filme gelado. Não é um bom filme do Walter, não. Ele não me leva a nenhuma emoção a não ser a de assistir e dizer: eu não me emocionei"


"Nenhum programa na televisão me atrai. Nem o "Jornal Nacional" eu preciso ver mais [...] pela audiência que a TV tem tido, essa sensação deve ser geral"


"[Fernando Meirelles] falou: "Eu acho que errei a mão, Daniel. O filme não saiu o que eu queria"


0 comentários:

© 2008 Por *Templates para Você*